Rosalinda

Marcel
2 min readMay 14, 2022

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Já passava das duas horas da manhã e o barulho da overlock ainda ecoava pelo ateliê. Rosalinda estava refazendo um trabalho que foi mudado de última hora e tinha que ser entregue na manhã seguinte. O pedal da máquina era acionado na força do ódio que se intensificava ainda mais quando lembrava do jeito que cliente falou

— Rosalindaaaa!! Ficou lindo! Mas será que você pode colocar só mais um detalezinho?

— Mas eu fiz tudo que você me passou que queria! O que tá faltando?

— Ah… desculpa é que eu esqueci que tem que ter umas listrinhas, mas não é nada demais sei que você dá conta… é um detalezinho… é que a cliente não vai aceitar se não tiver.

Fuzilando com os olhos Rosalinda pegou as peças e aceitou colocar os "detalhes". Eram umas 30 peças que precisavam colocar vivo nas mangas e trocar a ribana.

Quando a última ribana foi costurada uma misto de alivio e cansaço bateu e Rosalinda acabou cochilando ali por cima da máquina mesmo.

Uma claridade intensa vez Rosalinda abrir os olhos. A luz era tão forte que ela não conseguia identificar por onde pisava, foi tateando tentando achar um caminho, foi encontrando tecidos pelo caminho

— Nossa, o que será que aconteceu? Será que derrubei os rolos?

Sua cabeça doía muito, seu corpo estava estranho e mal conseguia andar. Tudo piorou quando levou suas mãos até a testa. Antenas gigantescas saiam de sua cabeça. O choque foi tanto que Rosalinda caiu no chão e foi aí que percebeu que seu corpo havia se transformado em uma traça e que os tecidos no caminho eram, na verdade, retalhos acumulados de muitos trabalhos.

O barulho da máquina sendo acionada acidentalmente fez Rosalinda despertar, olhou em volta e tudo tinha voltado ao normal. Acreditou ter sido só um pesadelo.

Quarta inicio da noite, Rosalinda estava no escritório do seu acervo em reunião com dois diretores de uma grande produtora

— Rosalinda nós amamos o seu trabalho! Você é incrível e nós queremos você na nossa equipe!

— Mas sabe como é, né?… A gente tá com pouca verba… mas você vai ganhar visibilidade

— E qualquer coisa você pode usar roupa dos atores

Nesse momento o ódio tomou conta do olhar de Rosalinda. A luz apagou e quando voltou um dos diretores estava com sua cabeça sendo esmagada contra a mesa e outro sendo enforcado pela antena

— Ou vocês valorizam de verdade quem faz o figurino ou vocês nunca mais vão fazer produção nenhuma! Agora sumam daqui!

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