Osvaldos

Marcel
6 min readJun 1, 2023

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Era sexta-feira à noite, Osvaldo estava cochilando na sua poltrona de couro e ao fundo, uma tv ligada ecoava: “Põe na tela as imagens do nosso helicóptero”. Subitamente uma forte dor no peito e uma dificuldade de respirar fizeram-no acordar aflito.
— Lídia vem cá, me leva pro hospital!
— Osvaldo! O que foi? Que tá acontecendo?
— Tô com uma dor aqui! — Esfregando a mão entre o peito e a barriga — Não tô conseguindo respirar direito.
— É na barriga, Osvaldo? Deve ter sido a feijoada que você comeu no almoço.
— Virou médica agora Lídia?! Só me leva pro hospital!
Era véspera de feriado prolongado, chovia muito e o trânsito estava tão caótico que o casal demorou quase duas horas para chegar no hospital. A demora fez a agonia dos dois aumentar e quando finalmente chegou na recepção, Osvaldo entrou gritando:
— Um médico! Socorro! Alguém chama um médico!! Estou infartando!
Os gritos assustaram as pessoas que estavam no saguão. Era um hospital particular luxuoso onde raramente o silêncio era quebrado. A equipe correu para atender Osvaldo e levá-lo para realizar exames, enquanto sua esposa ficou na recepção dando entrada no internamento.
Após terminar o cadastro Lídia foi encaminhada para a sala de espera onde os familiares aguardavam a liberação para subir até o setor de internamento. Enquanto se servia de um café, outra família chegou na sala. Ela percebeu que na etiqueta de identificação também estava escrito “Osvaldo”.
— Oi com licença, acho que a etiqueta de vocês saiu errada — disse Lídia enquanto apontava para a etiqueta colada em sua roupa.
— Oi! Nossa, olha que coincidência nosso pai também se chama Osvaldo.
— I olha lá! Papai tá saindo e veio outro no lugar. Mas acho difícil alguém ser tão querido como o nosso Valdinho!
A família do outro Osvaldo estava eufórica e rindo da situação porém perceberam o semblante preocupado de Lídia.
— Desculpa a nossa empolgação. Nosso pai tá internado faz uns dias e hoje o médico disse que ele vai para casa. O seu Osvaldo tá muito doente?
— É o meu marido. Ele acabou de chegar e tá fazendo os exames ainda. Tava reclamando de dor no peito e falta de ar. Eu falei que era culpa da feijoada do almoço de hoje, mas ele nunca me escuta.
— Tomara que não seja nada mesmo.
— Pela honra do Senhor não vai ser nada. Glória a Deus que ele abençoou seu pai e ele vai pra casa — Disse Lídia com um sorriso fraternal.
Já no quarto, medicado e um pouco mais calmo, Osvaldo recebeu o médico.
— É muito grave, doutor?
— Estou aguardando minha enfermeira chegar o resultado dos seus exames para ver o que está acontecendo — Respondeu o médico com um ar de superioridade e sem nem olhar para o paciente. O médico avistou uma enfermeira passando com vários prontuários na mão e perguntou sobre o resultado dos exames. Na primeira pasta já tinha uma etiqueta com o nome “Osvaldo”. O médico puxou os documentos, voltou para o quarto, olhou os exames, coçou o queixo e deu a notícia para o Osvaldo:
— Osvaldo, como estão suas dores? Estão muito fortes?
— Não doutor, agora com as medicações não estou sentindo mais nada. Vou poder ir para casa hoje?
— Certo… Analisando o seu histórico, o resultado dos seus exames não temos muito mais o que fazer. Como o senhor está sem dores vou te liberar para passar o final de semana em casa para se despedir da sua família.
— Me despedir?! Como assim doutor?
— Sim Osvaldo, infelizmente o câncer de pâncreas é muito letal e rapidamente toma conta do corpo.
O médico é interrompido por alguém abrindo a porta. Era Lídia que subiu até o quarto para ter notícias do marido.
— É muito grave doutor?
— Olha…
— Não é nada Lídia, ele já está me dando alta.
Osvaldo apenas com o olhar pediu sigilo para o médico e foi atendido.
A alguns metros dali, no outro quarto, o clima era de alegria. Valdinho, era uma figura muito querida e desde o momento que deu entrada no hospital cativou todo mundo! Mesmo sabendo da gravidade do seu estado de saúde nunca tirou o sorriso do rosto. Se despediu da equipe do hospital muito feliz sabendo que ia passar o final de semana com sua família. Algumas horas depois, Osvaldo também recebeu alta e voltou com Lídia para casa.
— Vou falar para os nossos filhos não virem no domingo.
— Não Lidia, eu tô bem. Não precisa falar nada pra ninguém!
Era um domingo nublado, os adultos se reuniram em volta da mesa, as crianças corriam pelo quintal e Osvaldo sentado na ponta da mesa observava tudo até ser interrompido por Lucas
— Ow pai! A mãe falou que o senhor foi pro hospital sexta.
— Não foi nada!
— É, mas tem que se cuidar!
— Já falei que não foi nada!
— Mas tem que cuidar…
— Ah cala a boca Lucas, quem é você pra falar de cuidado?! Você tá falando que eu tenho que me cuidar, mas você não cuida nem da sua família!! Olha a cara de cansada da sua mulher. Você deixa tudo pra ela fazer!
— Pai, eu trabalho muito pra trazer o sustento pra minha família. Agora mesmo tô ocupado num projeto novo.
— Que porcaria de projeto o que, Lucas? Quando você vai fazer algo de concreto? E o projeto da tua família? Duvido que você saiba qual foi a primeira palavra que sua filha falou. Inclusive ela lembra que você é o pai? Ela vive dizendo que você não passa tempo nenhum com ela.
— Pai!! Que isso?
— Que foi Ester? Você também não pode vir me falar nada! Ou você já esqueceu do golpe que deu na sua ex-sócia e depois quase foi à falência! Se não fosse meu dinheiro ia tá até hoje falida. Então não vem querer falar de cuidado comigo.
— Osvaldo!! Para já com isso!!
— Ah Lídia me deixa em paz! Quer saber? Cansei de todos vocês!
Osvaldo pegou a chave do carro e saiu em alta velocidade enquanto isso a família toda em choque não conseguiu ter nenhuma reação. As crianças pararam de brincar e começaram a perguntar sobre o avô. Lídia abraçou a mais velha e sentou em um banquinho e enquanto acariciava a cabeça da neta tentava tranquilizar a família. Tânia, a esposa de Lucas, pegou a filha mais nova no colo e se afastou do grupo e com um leve sorriso pensou que até que enfim alguém falou umas verdades para o seu marido.
Osvaldo saiu meio sem rumo pela cidade, rodou por vários lugares até parar em um boteco pé sujo onde costumava ir quando era jovem. Pouca coisa mudou no bar, o rollmops continua no balcão, algumas cadeiras de aço ainda estão lá apesar da tinta desgastada. A novidade fica por conta da mesa de sinuca que foi colocada no fundo do bar.
— Opa chefe! Boa tarde. O que o senhor deseja?
— Me vê um rabo de galo!
— É pra já!
O bar não estava cheio, apenas uma mesa com jovens na faixa dos 25 anos bebendo cerveja, rindo e aparentemente comemorando alguma coisa estava ocupada.
— Dia difícil, chefe? — Perguntou o garçom enquanto servia a dose.
Osvaldo nem respondeu e virou o drinque de uma vez.
— Mais um!
Assim foram três na sequência. Osvaldo não bebia há muitos anos e as doses já foram suficientes para ele ficar levemente embriagado. Com a quarta dose na mão foi até a mesa e gritou:
— Rapaziada! Tô vendo que vocês tão comemorando então a próxima é na minha conta!! Eu tenho muito dinheiro e pouco tempo para gastar
A euforia tomou conta do bar. Muitas outras bebidas foram pedidas. As mesas que foram ocupadas depois também foram contempladas. Tudo foi pago por ele, que também consumiu muito. Quando o bar fechou, Osvaldo voltou para o carro e sem condições de dirigir acabou dormindo ali mesmo.
O sol quente entrava pela janela do carro e atingia em cheio o rosto de Osvaldo, que ainda estava dormindo no banco do motorista. Ele só acordou quando o celular começou a tocar.
— Alô…
— Senhor Osvaldo?
— Sim…
— Aqui é do Hospital que o senhor esteve na sexta.
— Hmm
— Nós trocamos o seu diagnóstico
— Como assim?
— Lamentamos muito, mas pelo menos a notícia é boa. O senhor não está doente! O senhor teve apenas gases! Seu diagnóstico foi trocado com outro Osvaldo. Nós já afastamos o méd…
— Tuu tuu tuu tuu
— Senhor… senhor…
— Tuu tuu tuu tuu

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