Circular

Marcel
6 min readNov 1, 2023

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Uma rua movimentada no centro de João Pessoa, a rua tem três faixas. No primeiro plano aparece a parte da frente dos carros, motos e ônibus. No plano de fundo aparecem prédios altos e o céu está em um tom amarelado de final do dia
©Marcel Vaz Zanardine

Estava no fiteiro esperando o troco com um olho na sacola com um pacote de Treloso e um de Pipos e o outro na esquina atenta se o 5100 apontava na esquina. O senhorzinho com dificuldade para encontrar o troco e eu angustiada olhando para ele, olhando para esquina, olhando para ele, olhando para a esquina… Atrás dos potes com doces e amendoins um som que parecia de uma rádio AM mal sintonizada me deixava mais agoniada.
— Moça, tô sem moeda pro troco…
— Me vê em paçoca e fica tudo certo! — respondi apressada com medo do ônibus aparecer e ter que sair correndo.

Peguei minha sacola, fui até o ponto de ônibus, sentei no banco e reparei que não tinha ninguém. “Se tá vazio é porque acabou de passar, essa merda vai demorar” pensei enquanto abria o pacote de Pipos sabor pizza. Desde cedo estava com vontade de comer pizza. A patroa fez uma festa ontem e sobrou um monte! Mas a muquirana não me deixou comer nenhum pedaço, falou que mais tarde ia comer. Mentirosa! Aposto que na quinta quando eu voltar lá, vai tá tudo no lixo. Mesquinha! Eu não sei o que tinha mais, se era louça espalhada pela casa ou pizza sobrando!

Com o salgadinho no colo é um olho nas bolinhas amarelas e outro na esquina torcendo para o ônibus aparecer. Enquanto ele não vinha, me distraí olhando para o horizonte… até conseguia ver um pedacinho do mar. Quase não me lembro da última vez que molhei meus pés na água… O ronco do meu estômago me fez voltar para as bolinhas.

15 minutos passaram e o ponto ficou cheio de gente esperando. Dois rapazes usando a mesma farda me chamaram a atenção. A calça preta de um tecido grosso, a camiseta vermelha de manga comprida, desbotada de sol e com “Fotógrafo” escrito nas costas. Na barra das calças dava para ver um pouco de areia e marca de molhado. Além do uniforme, os dois tinham em comum um rosto cansado, abatido. Pararam atrás de mim buscando um lugar para se apoiarem.
— Hoje foi foda… peguei um grupo que ninguêm queria foto…
— E eu que me jogaram numa van pro litoral norte e não teve um que quis ir no Jacaré.
— Putz! Quero só ver… amanhã a gente tá fora da escala! Ou pior… vão jogar a gente em Tambaú.
— Cara, tô mais de uma semana sem folga, se eu não tiver na escala vai ser até bom… vai dar para tentar descansar um pouco.

A conversa foi interrompida por uma sequência de ônibus. Demora para vir, mas quando vem, vem tudo de uma vez. 5603, 5604, 507 e por último o 5100. Levantei num pulo, joguei o pacote vazio no lixo e fui correndo para a porta. Na catraca avistei um banco vazio. Não olhei para mais nada e fui tropeçando, esbarrando em quem estava pela frente, até chegar na última fileira de cadeira dupla antes da porta traseira. Sentei, acomodei minhas sacolas no colo, pensei em colocar meu fone mas é final de mês, minha internet já acabou e no rádio era hora da Voz do Brasil. A fome tinha amenizado mas a vontade de um docinho era grande. Peguei meu pacote de Treloso e coloquei entre as minhas pernas, puxei a fitinha vermelha que saiu perfeitamente! Presságio de boa sorte?! Os dois rapazes também subiram juntos e ficaram em pé no corredor ao meu lado. Como uma boa ouvinte, fiquei atenta à conversa, o assunto não é mais sobre o trabalho.

— …conheceu num samba. Boy! O nosso primeiro beijo durou mais de 15 minutos!
— Eitaaaa!!!
— Me apaixonei na hora! Mas ela mo…
PEEEEEEEEEEEIN
— E vocês se viram mais vezes? Como foi isso?
— Durou uns 7 meses… meio que deu certo da gente se ver uma vez por mês, teve uma vez que eu peguei um busão e demor…
PEEEEEEEEEEEIN
— …ossa, era longe hein!
— Mas boy, foi incrível até o final!
— Minha jóia, olha pra tu! Dá para ver o brilho nos seus olhos quando tu fala dela!
Nessa hora eu tirei o olho do biscoito e mirei nos olhos do rapaz. Realmente estava brilhando muito, arrisco a dizer que tinha ali um pouco de lágrima. Comecei a pensar se já vivi algo parecido. Lembrei de um menino da época da escola, mas não quis considerar.
PEEEEEEEEEEEIN
Os dois desceram e eu voltei para o doce.

O trajeto demorou tanto que quando cheguei em casa minha barriga estava roncando de novo. Não tinha nada pronto e eu estava exausta para cozinhar qualquer coisa que desse muito trabalho. Olhei para o balcão e os ingredientes do café da manhã que eu não tomei porque acordei atrasada ainda estavam lá. A caixa com 04 ovos dentro, o pacote de cuscuz, a manteiga da terra e o pote de café. A vontade ainda era de uma pizza bem recheada com aquele queijo escorrendo, mas me contentei com o que tinha, coloquei a água para ferver e hidratei o cuscuz. Enquanto a água fazia o trabalho dela eu fui ao banheiro, sentei no vaso e quase cochilei por lá mesmo. Olhei para o cantinho e vi uma calça esquecida lá. Deve ter caído quando juntei a roupa suja. Ainda sentada peguei a calça e fui conferir os bolsos antes de botar para lavar. Achei uma nota de 50 reais bem dobradinha! “Ah! sabia que a fita sair bonitinha daquele jeito era sinal de sorte! É hoje que eu peço uma pizza do Paulista” pensei enquanto ia pulando empolgada até a cozinha para pegar o celular e desligar o fogo.

A atendente me avisou que ia demorar 45 minutos para entregar. Aproveitei esse tempo para tomar banho e me organizar para tentar dormir antes das onze. Coloquei meu pijama, liguei a tv e logo a campainha tocou. Fui saltitando até o portão, no caminho avistei o motoboy e bem na hora ele tirou o capacete. Que homem lindo!
— Oi moço boa noite
— Boa noite. Uma meia calabresa, meia cinco queijos e uma coca seiscentos?
— Isso! Quanto deu mesmo?
— 42 e 50. É no dinheiro, né? Precisa de troco?
— Tenho 50 aqui, pode ficar com o troco para você
— Obrigado dona! Boa noite!
— Hmmmm… gostoso!
— Oi!?! Que você falou aí?!
— O cheiro moço… o cheiro tá gostoso… — respondi com um sorrisinho tentando ser seduzente.
Ele vestiu o capacete e foi embora, eu entrei em casa dando risada sozinha. Coloquei a pizza em cima da mesa, nem prato peguei, foi com a mão mesmo. Ergui a primeira fatia e aquele queijo quente escorrendo formando quase uma cascata, o cheiro se espalhou pela casa inteira. A novela começou e eu fiquei com um olho na calabresa e outro na Carminha. Quando o Tufão congelou eu já estava de barriga cheia pronta para dormir. Ajustei o alarme enquanto escovava os dentes. Amanhã é no Bessa, vou ter que madrugar para conseguir chegar no horário. De barriga cheia dormi feito um anjo.

Bem no meio de um sonho tão gostoso o celular despertou. No impulso desliguei o alarme, mas era para ter colocado no soneca. Vinte minutos depois pulei assustada da cama, na corrida para o banheiro tropecei no chinelo e quase bati com o rosto na parede. “Não vai dar tempo de tomar café de novo” pensei enquanto enxaguava a boca. Troquei de roupa sem nem olhar direito, só peguei o que estava mais fácil, coloquei um batom e um rímel na bolsa e corri para a parada. Quando cheguei e vi o ponto vazio, fiquei nervosa achando que tinha perdido o ônibus, mas logo ele apontou no final da rua e eu fiquei aliviada.

— …E é isso vizinha, agora tamo aqui, começando tudo de novo…

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