Amendoeira

Marcel
3 min readOct 17, 2023

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Fim de tarde de um dia que o sol pouco apareceu, eu olhava o movimento das redes sendo arrastadas pelas areias até os barcos de madeira. A agitação dos pescadores se confundia com o quebrar de ondas. Até que um grito saindo de trás da restinga surgiu feito um raio. Dorivaaaaaal!!! Vai não!! Fica!!, era Beatriz correndo em direção ao barco. Toda vez que tu vai pro mar, meu coração fica em pedaços!, segurando a mão do seu noivo tentava convencer a ficar. Mariana falou que hoje o tempo não tá bom pra sair! Ô mulher, desde quando Mariana sabe de alguma coisa? Meu lugar é no mar, volto com nosso sustento!, com os olhos marejados ela fez um último pedido, Você devia era criar raiz aqui!… E eu lá sou árvore para ficar parado!, respondeu com um beijo de despedida e se jogou nas águas.

Dorival minha joia, nisso eu discordo de tu! Quem foi que te disse que árvores ficam paradas? O movimento é constante meu parceiro! Ou tu acha que trocar periodicamente as folhas não é fazer movimento? Repara bem! Lembra da árvore que tu marcou um coração com canivete? Vai lá ver se ela tá igual!

O ser humano tem essa mania de não prestar atenção na natureza, de achar que a gente não se mexe, não se comunica. Pior ainda quando é jovem, aí não dá atenção nem para os mais experientes e se acha imortal. Eu lembro do dia que o mar e o céu discutiam, um gritava com ondas gigantes enquanto o outro assobiava tão forte que até a restinga arrancou. Seo Chico mandou todo mundo ficar em casa, não ia ter pescaria aquele dia. Mas um moleque com muito futuro pela frente e pouca experiência resolveu ignorar todos os sinais, pegou sua tralha, um barco e zarpou… Virou aperitivo de peixe. Até hoje eu vejo Rosinha passar por aqui com um olhar vazio indo todos os dias onde o falecido foi encontrado e com uma mistura de maresia e lágrima no rosto fica repetindo, Morreu… Morreu…

Lembro de Seo Chico quando ele ainda era só Chiquinho, passava correndo por aqui e se jogava na arrebentação furando todas as ondas. Aprendeu a ouvir a gente antes de saber quantos metros de linha precisava para fazer uma tarrafa. No primeiro mergulho já sabia se o mar queria a sua companhia ou não e sempre que saia da água se acomodava na minha sombra e passava horas olhando para tudo. Quando já era Chico, escolheu montar seu malheiro do meu lado, não se incomodava com a brisa, ele dançava com ela, pegava linha por linha e ia traçando a rede, materializando a conexão criada com a gente. Minha sombra cresceu junto com Seo Chico, agora seus mergulhos são mais raros, mas todos os dias ele vem com a roupa na mesma cor da espuma da arrebentação e seu bonezinho, acende o seu paiero e olha para a vida.

Foto de uma praria com o céu com nebuloso em tom de azul. Em primeiro plano uma arvore sem folhas
©Marcel Vaz Zanardine

Bom dia Vô Chico! Por que o senhor fica aqui tanto tempo parado?, perguntou a menina Mariana curiosa enquanto jogava bola na areia. Bom dia minha filha, fico conversando com a natureza!, com aquela cara de quem ainda tá descobrindo o mundo a menina devolveu, A natureza não fala vô… ela não tem boca! Seo Chico apagou o cigarro, pegou na mão da neta e esfregou no meu tronco, Fecha os olhos! Tá sentindo? Escuta o vento um pouquinho. A menina gargalhava achando graça. Depois ficaram com as canelas na água até que um chamado interrompeu as risadas. Mariana! Vem almoçar! Vai atrasar para a escola!

Mariana cresceu. Seguiu os ensinamentos do seu avô e mantinha o mesmo ritual de se acomodar no meu tronco depois de salgar a pele. Só não acendia o paiero. Até a pergunta se repetiu. Um dia Beatriz questionou a amiga, Mari, por que você fica horas em silêncio aqui todos os dias olhando para o mar?, Bia, se tem uma coisa que falta no mar é silêncio.

Então Dorival, meu querido… Se atente viu!? Ninguém aqui tá parado não! E aprenda com Mariana! Não quero ver Beatriz tendo o mesmo destino que Rosinha!

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